quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O que a Arquitetura pode fazer pelos alérgicos?

Oi, Diário!

Há poucos dias, descobrimos, via twitter, um curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Saúde. Ficamos curiosas para saber se existem profissionais nessa área que se preocupam em propiciar conforto e, ao mesmo tempo, mais saúde, sobretudo a quem é alérgico. Então, entramos em contato, via twitter/mariaalergica, com a arquiteta carioca Elza Costeira, falamos do nosso interesse e ela, gentilmente, concordou em conceder entrevista por email para este blog. Confira o perfil da nossa entrevistada e, em seguida, saiba o que a Arquitetura pode fazer pela saúde dos brasileiros e, em especial, pelos alérgicos e alérgicas de plantão!



Perfil

Elza Costeira é professora da Pós Graduação em Arquitetura de Ambientes de Saúde do PROARQ (Programa de Pós Graduação) da FAU/UFRJ. Dá aulas também no Instituto Politécnico e na Pós Graduação em Arquitetura de Interiores da Universidade Estácio de Sá. E o melhor, é mestra e doutoranda do PROARQ da FAU/UFRJ, onde pesquisa os temas de Arquitetura de Saúde e está em permanente contato com um grupo de pesquisas sobre o assunto - o “Espaço Saúde”. Sem esquecer que ela integra a Associação para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar (ABDEH) e também atua profissionalmente na Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

Entrevista

Maria Alérgica – Há poucos dias, descobri, via twitter, um curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Saúde. Isso é um sinal de que os novos profissionais, antes (em sua maioria) mais ligados a questões puramente estéticas, estão mais preocupados com seu papel social?

Elza Costeira - Na verdade a Arquitetura engloba não apenas questões estéticas, mas sempre esteve envolvida com a qualidade do habitar e da cidade, com seus espaços públicos, suas circulações e fluxos, praças, ruas, etc. Isso tem uma conexão direta com qualidade de vida, promoção da saúde e sociedade mais justa. Portanto acredito que a maioria dos arquitetos esteja bastante engajada no seu papel social, através do exercício profissional. Temos alguns cursos de Pós Graduação em Arquitetura de Saúde pelo país e estes vem despertando um grande interesse dos profissionais de arquitetura. Sou professora de um deles, na FAU da UFRJ e estamos fechando a segunda turma (2009) de Pós Graduação com um interesse e dedicação muito grandes dos alunos. Temos tido turmas de cerca de 20 pessoas e acredito que esta procura venha aumentando com o tempo. Como estamos oferecendo o curso de dois em dois anos estou aguardando que a nova turma se forme para começar em 2011, a confirmar junto à Faculdade (www.proarq.fau.ufrj.br).

Maria Alérgica – Afinal, que a Arquitetura pode fazer pela saúde de brasileiros como Maria Alérgica?

Elza Costeira
- Bem, a Arquitetura pode ajudar bastante. Se pensarmos que, na conformação e nos projetos de ambientes de saúde- ou de moradias ou de escritórios profissionais dos mais diversos- podemos usar uma abordagem voltada para a concepção de ambientes saudáveis, que poderão se inserir em uma desejável Cidade Saudável estabeleceremos uma nova visão para o ofício do arquiteto. Os conceitos de Habitação Saudável e de Cidade Saudável fazem parte de novas e modernas visões de espaço com vistas à busca de sociedades mais justas e que ofereçam mais qualidade de vida.

Maria Alérgica – De acordo com essa concepção o que é uma cidade saudável?

Elza Costeira - As diretrizes do Movimento das Cidades Saudáveis preconizam uma nova visão de Saúde, incorporando à idéia de “cura” e de “assistência”, o aspecto de Promoção de Saúde, envolvendo governo e populações na implantação dos processos que levam a implementação da qualidade de vida. O conceito de Cidade Saudável extrapola os conceitos gerais normalmente usados para abordar os problemas de saúde e incorpora uma nova visão, trabalhando com parâmetros de qualidade de vida, incorporando indicadores de saneamento, trabalho, segurança, educação, cultura, ecologia e desenvolvimento sustentável para o implemento do índice de desenvolvimento humano das populações. Portanto, a Arquitetura pode trazer uma nova abordagem, super importante e abrangente, para brasileiros como a Maria Alérgica.

Maria Alérgica – Considerando, então, que um ambiente confortável para um não alérgico pode ser até fatal para um alérgico, já há profissionais pensando em soluções em Arquitetura para o cotidiano de quem sofre com rinite, asma etc?

Elza Costeira - Certamente os profissionais estão pensando cada vez mais em como minimizar ou neutralizar os males que um ambiente inadequado pode causar à saúde das pessoas, alérgicas ou não. Sabemos que em 1982 - veja só há quanto tempo - a Organização Mundial de Saúde reconheceu a chamada Síndrome do Edifício Doente,(Sick Building Syndrome- SBS) que se caracteriza pelo grande número de sintomas como mal-estar, dor de cabeça, espirros e ardor nos olhos, coriza, tosse seca e alterações na pele. Veja só como estes sintomas parecem velhos conhecidos nossos (também sou super alérgica). As alergias respiratórias estão afetando cada vez mais pessoas que trabalham em escritórios e ambientes fechados. Um estudo publicado na revista científica Environmental Health Perspectives demonstrou que até 60% das pessoas que trabalham em locais com má qualidade do ar sofrem com sintomas respiratórios, tais como ressecamento da mucosa nasal, por vezes com sangramento, piora dos sintomas de rinite e/ou asma, manifestações oculares, rouquidão e outros.

Maria Alérgica– Na prática, como perceber que determinado local pode estar agravando problemas respiratórios e outras manifestações alérgicas?

Elza Costeira - Um edifício é classificado como doente quando cerca de 20% de seus ocupantes apresentam alguns destes sintomas sempre relacionados com o tempo de permanência em seu interior. Sabe-se que as causas estão associadas à climatização artificial, má conservação de filtros de ar condicionado, umidade, temperatura, deterioração do ar interno e sua insuficiência para a quantidade de pessoas que trabalham, moram ou circulam pelo edifício.

Maria Alérgica – Que medidas devem ser tomadas para solucionar ou minimizar esse problema, sobretudo no meio ambiente do trabalho?

Elza Costeira - Existe uma série de medidas a serem tomadas desde o projeto e construção destes edifícios, para que se evitem estes agravos e para que sejam projetados e construídos prédios melhores e mais saudáveis. Temos a Resolução RE/ANVISA nº 09, de 16 de Janeiro de 2003 - Padrões referenciais de qualidade de ar interior em ambientes de uso público e coletivo, climatizados artificialmente - para regulamentar este assunto. Aí está um dos muitos exemplos de que muitos profissionais e associações de construtores, projetistas e estudiosos se preocupam com os mais diversos assuntos para estabelecer um ambiente saudável para os alérgicos e para todos.

Maria Alérgica – Que dicas a senhora pode dar aos alérgicos para que seu “lar doce lar” seja confortável e, ao mesmo tempo, um ambiente respirável? (Pode ser uma resposta geral ou por partes.. Exemplo, na sala, evite isso; no quarto...)

Elza Costeira - Sabemos que há no mercado uma oferta enorme de materiais de acabamento de fácil higienização e que não acumulam pó, onde estão os nossos velhos conhecidos ácaros. Estes materiais, cada vez mais, procuram se inserir nos conceitos de moda, bom gosto e originalidade. Portanto um “lar doce lar” pode ter todo o tipo de conforto e ser também um lugar livre de poeira e de materiais desencadeadores de alergia. Minha dica, no geral, é para abusar de materiais com superfícies lisas, laváveis, em cores claras (para mostrar quando estiver sujo), de fácil manutenção e de boa durabilidade. Não esqueçamos de que conforto é sinônimo de ambientes com uma excelente aeração e iluminação naturais. Deixe a luz do sol entrar em sua casa e abuse da ventilação cruzada, ou seja, sempre que possível, janelas em planos diferentes, para conseguir um bom fluxo de ar.

Maria Alérgica – Realmente, apartamentos abafados são terríveis para quem tem alergia.

Elza Costeira - Pois é, estabeleça uma boa relação visual com a natureza e com o exterior. No entanto, evite a poeira e a poluição de ruas com muito tráfego de automóveis. Nestes casos é melhor procurar se proteger da fuligem e do ar poluído. Ao climatizar o ambiente fique atenta a limpeza e manutenção dos equipamentos de condicionamento de ar. Para finalizar é só dar uma olhada nas obras da saudosa arquiteta Janete Costa, que soube traduzir tão bem o jeito e o visual brasileiro nos seus Interiores, agregando bom gosto, sofisticação e brasilidade. Aposto que seus ambientes com pisos de cerâmica, grandes janelas de vidro voltadas para o verde, bancadas em madeira, quase “minimalistas” e adornos de artesanato nordestino são verdadeiros oásis para os alérgicos de plantão. Sou grande admiradora do seu trabalho e sempre achei que seus espaços são compatíveis com as Marias Alérgicas deste Brasil.

Maria Alérgica – Quais as experiências positivas que a senhora já vivenciou ou testemunhou relativas à aplicação da Arquitetura na área de Saúde, de um modo geral?

Elza Costeira - A experiência mais marcante é sem dúvida a de poder qualificar os ambientes de atendimento à saúde através da melhoria da qualidade do espaço oferecido à população. No âmbito do meu trabalho, na Secretaria de Saúde da Prefeitura do Rio de Janeiro, pude vivenciar o impacto de ambientes trabalhados para oferecer acolhimento adequado a quem necessita de cuidados de saúde. Estamos preocupados com as questões de otimização de fluxos, adequação na especificação de materiais, infraestrutura de instalações seguras e convenientemente dimensionadas, tudo para podermos contar com ambientes mais saudáveis e humanizados. E também mais bonitos, por que não? Já tive a oportunidade de reformar espaços como Centros Cirúrgicos, Maternidades, Postos de Saúde, Instalações de Raios X e um número enorme de ambientes deste tipo, sempre com a preocupação de atingir novos padrões de qualidade na concepção da arquitetura de saúde. Em se tratando de serviços públicos tenho muito orgulho do que vamos conseguindo melhorar, pouco a pouco.

Maria Alérgica – A troca de informações entre os profissionais e os futuros profissionais é, então, fundamental, para que essas experiências positivas se ampliem cada vez mais, não é verdade?

Elza Costeira - Evidente, integro uma associação que tem por finalidade a discussão e troca de saberes e experiências de profissionais de saúde. Na Associação para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar (ABDEH), promovemos reuniões, palestras, visitas técnicas e publicações para a disseminação deste conhecimento e com o intuito de promover a melhoria dos ambientes de atenção à saúde. Estaremos promovendo o nosso terceiro Congresso e recomendo, a quem se interessar, que visite o nosso sítio na internet, onde poderá acessar a agenda das atividades e encontros no seu estado, pois a ABDEH já está em quase todo o país (http://www.abdeh.org.br/index1.asp).

Maria Alérgica – Existe ou há, em andamento, alguma política pública gestada dentro dessa concepção moderna da Arquitetura?

Elza Costeira - Existe sim. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no âmbito do Ministério da Saúde, tem, ao longo de muitos anos, se preocupado com estas questões. Deste modo, somos bastante avançados, em termos internacionais, no estabelecimento de Normas e Parâmetros que norteiam a concepção destes edifícios de saúde e suas dependências. Indico a consulta à nossa “bíblia” para nortear os projetos de arquitetura- a Resolução de Diretoria Colegiada- RDC nº 50 de 21 de fevereiro de 2002- que estabelece as diretrizes para os projetos e especificações das instituições de saúde (na internet, no sítio da ANVISA). Além disso, não se faz nem uma obra deste tipo sem a devida aprovação do projeto no âmbito estadual e/ou municipal. Isto tem ajudado a conformar espaços mais saudáveis dentro das instituições de saúde e começa a atrair a atenção e o interesse de diversos arquitetos. Afinal, além de uma concepção contemporânea, aparece um mercado específico para o exercício profissional, a exigir estudo e especialização dos colegas. Evidentemente esta concepção contemporânea deve incorporar, primordialmente, as questões relativas à humanização destes espaços, atenuando a tecnologia marcadamente presente nos mesmos, para garantir a legibilidade e qualidade dos serviços aí desenvolvidos. Questões acerca de Conforto Ambiental e de Sustentabilidade devem ser igualmente priorizadas, já que estamos falando de abordagem moderna e contemporânea.

Um comentário:

  1. Excelente entrevista! A arquitetura pode e muito auxiliar na diminuição da absorção dos impactos trazidos com a vida urbana. É importante ressaltar que não podemos deixar o mercado imobiliário ditar o que vai ser construído com fortes embasamentos econômicos, para habitar com qualidade de vida é preciso agregar esses outros fatores que o profissional está tão bem preparado para projetar.

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